Ney Latorraca foi o melhor personagem de si mesmo
Numa era em que tantos falam em deixar um legado, Ney foi lá e fez
Estou triste com a partida de Ney Latorraca. Todos estamos, o Brasil inteiro está.
Ney foi um artista famoso, um sucesso gigantesco no mais popular dos veículos do nosso país, a televisão.
Nesse altar eletrônico onde o mundo inteiro passa, informando, entretendo e fazendo o povo sonhar, vimos seus personagens escrachados nas novelas, rimos com sua graça no TV Pirata, fomos cúmplices dele quando fazia o papel de galã. Não tem avó, mãe, tia que não sinta hoje a dor da partida desse ator tão querido.
Popular na TV e no teatro. Mesmo tendo feito peças clássicas, foi o besteirol de "Irma Vap" que o consagrou ao lado de Marco Nanini. Ficar mais de uma década em cartaz não é para qualquer um.
Sempre fui fã de Ney como espectadora. Mas foi quando escrevi o livro de memórias com Claudia Raia, "Sempre Raia um Novo Dia", que me encantei por ele. Claudia conheceu Ney quando tinha 11 anos de idade, num evento em Campinas (SP), onde Latorraca era a estrela absoluta.
Mas com seus olhos certeiros e sua inteligência peculiar, viu na menina Claudia a chama do talento. Ficaram amigos para a vida inteira. Mais do que amigos, irmãos de afinidade, do tipo que dá comida, guarida e colinho. Foi através de Claudia que descobri que Ney, na vida real, era tão único quanto na vida profissional.
A diferença é que, se na vida profissional ele era afiado, debochado e passava essa imagem de provocador, no contato afetivo ele era extremamente preocupado com as pessoas, generoso com quem estava a seu redor. Miguel Falabella, com quem também trabalhei e por quem tenho um carinho especial, fez uma homenagem linda ao amigo.
Tenho certeza que Miguel ainda vai escrever um livro ou uma obra sobre Ney. Mas foi uma palavra usada por Miguel em seu texto no Instagram que bateu exatamente com o que eu pensei em dizer sobre Latorraca: era único. Hoje, na era da influência, da industrialização e da padronização de tudo, da beleza, dos corpos, dos trabalhos, a era das métricas, onde números de views, seguidores, definem sucesso, contratos, futuro, onde todos querem ser iguais para serem aceitos, perdemos um artista sem igual.
Ney faz parte de uma geração de artistas únicos, destemidos, que ousaram experimentar todos os tipos, todas as linguagens, em nome da arte, uma geração que aos poucos se vai.
Numa era em que tantos falam em deixar um legado, Ney foi lá e fez. E, de tudo que fez, o melhor personagem foi ele mesmo.
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